Os modos possíveis de contar/relatar histórias - as posições e as atitudes do narrador frente ao que relata (o seu envolvimento ou não com a matéria narrada, com as personagens, com os conflitos etc.) - recebem o nome de foco narrativo.
Quais as classificações do foco narrativo
Em primeira pessoa
Relata uma história de que participa como personagem, portanto a matéria narrada está comprometida com seu ponto de vista. Também conhecido como narrador-personagem.
Em terceira pessoa
a) Narrador-observador
Relata a história, mas não participa direta-mente das ações. Revela ao leitor os acontecimentos que observa. É mais um espectador, mas nem por isso é imparcial.
b) Narrador-onisciente
Relata a história e sabe tudo sobre ela. Conhece e expressa a voz interior das personagens, revelando seus monólogos, seus diálogos íntimos. A sua onisciência permite revelar substratos do inconsciente das personagens ignorados por elas mesmas. Em outras palavras, sabe até o que elas não sabem.
Vejam um exemplo de narrador onisciente:
A mudança
O homem voltou à terra natal e achou tudo mudado. Até a igreja mudara de lugar. Os moradores pareciam ter trocado de nacionalidade, falavam língua incompreensível. O clima também era diferente.
A custo, depois de percorrer avenidas estranhas, que se perdiam no horizonte, topou com um cachorro que também vagava, inquieto, em busca de alguma coisa. Era um velhíssimo animal sem trato, que parou à sua frente.
Os dois se reconheceram: o cão Piloto e seu dono. Ao deixar a cidade, o homem abandonara Piloto, dizendo que voltaria em breve, e nunca mais voltou. O animal inconformado procurava-o por toda parte. E conservava uma identidade que talvez só os cães consigam manter, na Terra mutante.
Piloto farejou longamente o homem, sem abanar o rabo. O homem não se animou a acariciá-lo. Depois, o cão virou as costas e saiu sem destino. O homem pensou em chamá-lo, mas desistiu. Afinal, reconheceu que ele próprio tinha mudado, ou que talvez só ele mudara e a cidade era a mesma, vista por olhos que tinham esquecido a arte de viver.
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário